Encerrar ciclos na nossa vida pode ser algo bem difícil. Deixar para trás envolve lidar com os nossos apegos, com o medo de perder aquilo que é importante (ou já foi!). Mas é tão importante quanto lembrar como esses processos também abrem espaço para o novo. Sinto que estou vivendo justamente essa transição entre ciclos. Ou, entre o desapego e o olhar para o que virá.
Quando voltamos do Maranhão para São Paulo fizemos alguns planos, e trabalhar para colocá-los em prática foi uma meta que ajudou muito durante o meu tratamento. Fazer algumas reformas na casa do sítio e mudar para lá foi algo que acabou sendo antecipado pela pandemia. E foi tão bom ter a casa do jeito que a gente sempre imaginou para passar por um longo período isolados. Amei cada detalhe sonhado sendo realizado como o fogão a lenha, a horta, e até a cozinha para o Santo Legume onde pretendia produzir os fermentados e conservas.
Mas nem sempre tudo é como a gente gostaria que fosse. Quem acompanha o blog sabe que desde janeiro estamos morando no litoral, e finalmente, há poucas semanas conseguimos retirar o restante dos móveis e entregar as chaves. Foram algumas idas e vindas até resolver tudo. Na etapa final foi muito triste retirar a mesa de dois metros que comprei para as reuniões entre familiares e amigos, onde tivemos refeições inesquecíveis e animadas. Fecho os olhos e consigo lembrar das vozes, do som de talheres nos pratos, sentir o cheiro da comida fumegando nas travessas.
O que dizer da despedida do fogão a lenha, construído lá fora, na varanda tão sonhada. A cobertura da varanda e o fogão a lenha foram um presente de aniversário que ganhei assim que chegamos do Maranhão. Algo que quando terminamos essa casa nos anos 90 estava no projeto, mas nunca foi possível realizar. E que assim que ficou pronto usei com chuva, com frio, com teimosia em alguns momentos e com muita alegria na maior parte deles. Chorei um pouco ao ver a horta que chegou a produzir tantos legumes e verduras (lindos e orgânicos), agora tomada pelo mato. Foi um desafio que só foi em frente graças ao ex caseiro que teve muita paciência comigo, e com minha falta de habilidade (e conhecimento, é claro!). O único sinal que restou foi a cerca com o portão de madeira improvisado.
O pé de limão siciliano cresceu, está lindo e penso que não vou ver quando ele começar a produzir. Quando plantamos essa e outras árvores em frente a casa, imaginei ir colher um ou outro limão para usar as raspas em um bolo, o suco em alguma receita (ou caipirinha junto com o limão cravo e rapadura!). Quem sabe até no auge da produção preparar alguns vidros de conserva.
Eu poderia contar inúmeras histórias da infância da minha filha, que cresceu nesse lugar. Ela aprendeu a andar nesse gramado, correr com os cachorros, comer frutas do pé e quando cresceu, subir nas árvores para ajudar nas colheitas. Pescou no lago com varinhas improvisadas de bambu e nadou no riacho, mesmo quando o tempo não estava lá muito bom e eu dava intermináveis broncas.
Minha mãe passou os últimos anos de sua vida morando no sítio. Foi neste período que nos aproximamos como nunca havia acontecido antes em nossas vidas. Me tornei mãe e isso nos uniu muito. Hoje tenho certeza que a tarefa da filha que cuida é outra quando você é mãe. Foi neste lugar que aprendi com minha mãe a importância de viver bem o hoje, principalmente quando sabemos não haver muito tempo pela frente. Algo que veio a me ajudar muito quando recebi o diagnóstico de câncer anos depois. Suas lições de resiliência foram bem guardadas e revividas principalmente durante o período em que me tratei e morei no sítio.
Nas últimas semanas me senti triste, vivi um luto pela despedida. As lembranças me fizeram chorar, mas também me ajudaram a juntar toda essa vida contida nelas para seguir em frente. Sei que carrego tudo isso comigo, na memória e no coração. Com a certeza de que a capacidade de construir novas moradas cheias de amor, alegria, amigos e risadas está na gente. E não nos espaços, que uma vez vazios, não fazem nada por si. Sigo em frente acreditando que todos merecemos novas oportunidades de voltar a viver com paz, alegria, sem peso no coração.
Em meio a tanta mudança, preparar e comer algo que nos traga a sensação de conforto é ótimo. Foi o caso deste pudim de chia acompanhado da banana caramelizada no melado. Na verdade, recomendo a receita para todos os momentos. A propósito, a mesa de dois metros está com amigos que têm bastante espaço e já partilharam conosco boas e animadas refeições em ocasiões muito especiais.
Pudim de chia com cobertura de banana
Ingredientes
Pudim de chia
- 1½ xícara de leite vegetal
- 1-2 bananas maduras
- ½ colher (chá) de especiarias (canela, gengibre em pó, noz moscada)
- 2 colh. (sopa) Açúcar demerara ou melado
- 1 pitada de sal
- 4 colheres (sopa) de chia
Banana caramelizada
- 2 bananas cortada em rodelas
- 2 colh. (sopa) de açúcar mascavo
- ½ colher (chá) de canela em pó
- 1-2 colh. (sopa) cachaça envelhecida (opcional)
Para polvilhar
- Nozes picadas
Modo de fazer
- Coloque a chia em uma tigela. Bata o leite com as bananas, especiarias, açúcar e o sal. Despeje sobre a chia e misture bem. Cubra e reserve por 1 hora em temperatura ambiente.
- Leve à geladeira por algumas horas, ou de um dia para o outro.
Banana caramelizada
- Leve as bananas fatiadas ao fogo em uma frigideira antiaderente com o açúcar e a canela até dourar. Junte a cachaça e cozinhe até evaporar.
- Sirva as bananas sobre o pudim de chia. Polvilhe com as nozes picadas.
Amo essa página, não só pelas receitas que são divinas, como também pela beleza da apresentação, das fotos, das receitas e pela delicadeza em contar histórias e nos presentear toda essa maravilha na forma de pratos elegantes, gostosos e saudáveis. Grata por esse mimo!!!
Amei ler o texto, a sua história, a sua força. Bj
E eu fiquei feliz com a sua mensagem! Beijo
Olá Monica, acabei de chegar neste blog! Fico feliz em saber que você continua a nos presentear com maravilhosas receitas. Eu te acompanho deste os tempos do confraria. Naquela época eu estava me mudando pela 3. vez de país, acompanhando meu marido em suas transferências de trabalho. E acompanhar o blog e “costurar” com vocês, foi muito reconfortante para mim. Tudo isto já ficou para trás, agora “estamos” aposentados!
Espero que você esteja bem e que Deus continue te iluminando.
Um grande abraço
Annelice
Acordei saudosa dos seus textos sempre sensíveis e reflexivos. Espero que esteja tudo bem e fico no aguardo de um novo texto, uma nova receita.?
Andei um pouco quietinha por aqui, mas já está saindo um novo post!
Conheci este site essa semana e já estou adorando os conteúdos, são ótimos!
Parabéns! ?