Quem cozinha

Cresci cercada de mulheres incríveis que gostavam de cozinhar e preparavam verdadeiras obras de arte em forma de comida. Inspirada por elas, fui para a cozinha muito cedo e herdei esse amor. Cheguei a acreditar que cozinhava bem, mesmo sem ter feito um curso de culinária sequer. 

Após passar por algumas mudanças radicais, tive tempo de sobra para pensar sobre o que, de fato, significa cozinhar e em todas as implicações que isso envolve. Só então compreendi o papel da comida na minha vida, na minha saúde e até nos impactos ambientais decorrentes das minhas escolhas alimentares. 

Bem, sobre as mudanças, eu trabalhava com patchwork em São Paulo e, em 2014, após uma oportunidade de trabalho para o Celso, meu marido, nos mudamos para São Luís, no Maranhão. Mas, não foi uma daquelas mudanças tradicionais levando caixas e móveis. Deixei minha casa inteira para trás. Onde minha única filha, Stephanie, recém-formada na faculdade, continuou morando. Além disso, fechei, por tempo indeterminado e com muita dor no coração, o ateliê onde dava aulas. Fui para o aeroporto com uma mala de mão e preparada para morar em um flat, pequeno e impessoal, por alguns meses.

O que eu não sabia é que ficaria naquela cidade por muito mais tempo do que o programado. Ainda assim, reconheço o lado bom dessa mudança. No meu caso, entre outras coisas, aprendi a viver com muito menos do que julgava necessário, e descobri que é possível ser feliz assim. Também entendi que a simplicidade é um bom caminho para o autoconhecimento, e para termos mais tempo livre para simplesmente vivermos. 

Nesse hiato, entre a saudade e a solidão, comecei o blog. Foi a fórmula que encontrei para contar as novidades da vida no Maranhão, e compartilhar o dia a dia do meu “período sabático”. 

O blog se tornou uma razão para pesquisar e aprender mais sobre alimentação e ingredientes diferentes. Passei a olhar com mais atenção para os meus alimentos e a prepará-los com mais cuidado. E esses aprendizados se tornaram tão importantes que acabei me tornando vegetariana estrita (ou vegana). 

Não foi nada simples realizar essa transição. Um dos aspectos que mais pesou nessa decisão foi desapegar de todos os valores e memórias ligados à comida. Nem sempre encontrei alternativas prontas que se associassem aos sabores que eu gostava ou queria preservar. Como renunciar àquilo que era importante, ou então que estava ligado às receitas herdadas da família?

Não imaginava o quanto seria difícil abandonar algo que era importante e que tinha um vínculo tão forte com as minhas lembranças, a minha história. Foi buscando substituições ou alternativas que fossem realmente boas e descobrindo novas possibilidades, que passei os últimos anos da minha vida pesquisando, testando, e criando receitas para continuar a contar a minha história por meio da comida.

Vivemos quase cinco anos no Maranhão e em junho de 2018, recebi o diagnóstico de câncer de mama triplo negativo. Fiz o primeiro protocolo de quimioterapia em São Luís, enquanto me acostumava com as futuras mudanças em minha vida. Apesar de ter tido um acompanhamento extremamente cuidadoso dos médicos de lá, acabamos optando por voltar para São Paulo e ficar perto da filhota. Foram tempos difíceis, precisei de muita ajuda e carinho.

Passei pela cirurgia de mastectomia, outra bateria de quimioterapia e radioterapia. Atualmente moramos no litoral de São Paulo e estamos recriando alguns sonhos e voltando a ter um modo de vida mais tranquilo. Desapegar é uma das lições que a vida tem me ensinado. E continuo aprendendo!

Sejam bem-vindos à minha cozinha, puxem um banquinho, peguem um café, vamos conversar!